Subprodutos de origem animal: quais pontos devemos nos atentar?

Lídson Ramos Nery

Nutricionista de Aves

05 dezembro 2022
-
5 minutos

Em 15 de novembro de 2022, a Organização das Nações Unidas (ONU) declarou que a população mundial atingiu o número de 8 milhões de pessoas. É notório que à medida em que a população cresce a cada dia, haverá uma maior demanda por alimentos em uma mesma quantidade de terrenos cultiváveis para sua produção. É fundamental que o uso das fontes de consumo seja feito de forma mais racional e eficiente. Neste contexto, o papel da nutrição animal é essencial para que se possa extrair a máxima produtividade dos animais sem esquecer as Boas Práticas de Fabricação (BPF) e os conceitos atrelados ao bem-estar animal.

Por Lidson Ramos Nery, Nutricionista de Aves

 

O Brasil ocupa uma posição de destaque entre os maiores produtores de proteína animal do mundo. Um dos reflexos desta grande produção de proteína animal é um grande volume de resíduos de abatedouros. De acordo com a Associação Brasileira de Reciclagem Animal (ABRA), o Brasil conta com 208 indústrias associadas à esta cadeia de produção e em 2020, produziu mais de 13 milhões de toneladas de subprodutos de origem animal reciclados, gerando um PIB próximo a 18 bilhões de reais.

 

Os principais subprodutos produzidos são os óleos ou gorduras animais e as farinhas, que podem ser de penas, carne, vísceras, sangue ou a mistura destas frações. Para que estes produtos possam ser aproveitados ao máximo pelos animais, é necessário explorar suas virtudes e utilizá-los de forma racional, como defende o programa Natural Power da De Heus – atrelado ao programa global de sustentabilidade, o Responsible Feeding – além de garantir que sejam de alta qualidade e segurança para promover a saúde e desempenho animal.

 

Cabe ressaltar que o uso destes subprodutos na nutrição animal, permite trabalharmos com uma inclusão menor de farelo de soja e a substituição do óleo de soja, por sua vez, pelo óleo de vísceras nas formulações. Desta forma, a reutilização destes subprodutos possibilita a economia de matérias-primas que também podem ser destinadas à alimentação humana.

 

Quando nos referimos ao uso racional de ingredientes, isso perpassa pela posição de destaque do Brasil em relação ao reaproveitamento dos resíduos do abate dos animais. Segundo a ABRA, o Brasil recolhe 99% dos resíduos produzidos pela cadeia da carne e recicla 100% de todo o material recolhido – ultrapassando até mesmo a indústria do alumínio que recicla em torno de 98% do material disponível para reciclagem.

 

Para que todo este esforço em recolher e processar estes subprodutos, disponibilizando-os para o uso na nutrição animal, resulte em eficiência e no máximo aproveitamento dos nutrientes disponíveis nos ingredientes fornecidos, a qualidade do processamento e do armazenamento destes subprodutos são pontos muito importantes.

 

O monitoramento da qualidade destes subprodutos é realizado por meio de análises químicas e sensoriais que poderão refletir o processamento e o armazenamento destas matérias-primas. Neste sentido, o monitoramento dos fornecedores é mandatório para o uso eficiente e responsável. Por serem ricos em proteína e gordura, o monitoramento das farinhas de origem animal deve ser realizado principalmente por meio da análise destas duas frações, já os óleos ou gorduras animais necessitam da análise de sua fração lipídica – que consiste em análises de peroxidação, rancidez, acidez, entre outras.

 

A peroxidação é um processo da oxidação de ligações químicas presentes nos ácidos graxos e tem como resultantes a formação de radicais livres, aldeídos, cetonas e álcoois mensurados nesta análise. A oxidação ocorre pela ação de fatores como a luz, oxigênio, umidade e/ou temperaturas elevadas. Os peróxidos são os primeiros compostos a serem produzidos em situações de degradação dos lipídeos (Cecchi, 2003).

 

A rancidez ou reação de Kreiss também é um processo de degradação dos lipídeos. Existem dois tipos de rancidez, a hidrolítica (lipolítica) e a oxidativa. A rancidez hidrolítica ocorre por ação de enzimas (lipases e/ou lipoxigenase) ou agentes químicos, enquanto a rancidez oxidativa ocorre por ação do oxigênio. São características dos processos de rancificação de gorduras, a alteração do odor, de característica desagradável, além de alteração da cor e palatabilidade. Vale ressaltar que a presença de água acelera o processo de rancidez hidrolítica.

 

É importante avaliar os resultados da análise de índice de peróxido junto à análise de rancidez. Isso se deve ao fato da curva de peroxidação atingir o seu nível máximo e depois diminuir, ou seja, não é possível saber se a peroxidação está na parte crescente da curva ou após ter atingido o valor máximo e em fase decrescente. Porém, quando temos também valores consideráveis para rancidez, em virtude da mensuração dos valores de aldeídos, é possível afirmar que o material em questão se encontra em um grau elevado de degradação por oxidação. Neste ponto, a palatabilidade já é comprometida e o forte odor de ranço é perceptível.

 

O uso de subprodutos com alto grau de peroxidação deve ser evitado, pois durante o processo de oxidação ocorrem a produção de componentes tóxicos como hidroperóxidos, polímeros e aldeídos (NAMIKI, 1990) que possuem efeitos citotóxicos à membrana de borda em escova no intestino. Um radical livre possui a capacidade de reagir com diversos compostos formando complexos tóxicos para as células, como proteínas, glicoproteínas, purinas e pirimidinas, peróxidos lipídicos e outros.

 

O consumo de subprodutos com altas concentrações de radicais livres pode ocasionar uma redução na concentração de vitamina E (alfa-tocoferol) nos tecidos, principalmente nas membranas celulares. A redução da concentração da vitamina E ocorre pela ação dos radicais livres, uma vez que esta vitamina atua combatendo estes radicais por seu efeito antioxidante.


Para o monitoramento da fração proteica das farinhas, devem ser realizadas as análises de digestibilidade em pepsina, teste de Éber e presença de aminas biogênicas.

 

Na análise de digestibilidade estima-se a digestibilidade do conteúdo proteico do ingrediente. É desejável para a farinha de carne que os valores estejam acima de 60% em pepsina a 0,002%. Neste ponto, é importante salientar que a presença de materiais com digestibilidade muito baixa como chifres, cascos e pelos, reduz consideravelmente o valor da digestibilidade e consequentemente o teor de nutrientes disponíveis para o animal. Desta forma, devemos evitar os ingredientes cujo valor de digestibilidade em pepsina esteja abaixo de 60% quando objetivamos o máximo desempenho zootécnico.

 

Outra análise que nos permite avaliar a condição proteica das farinhas de origem animal é o teste de Éber. Esta análise avalia a presença de sulfetos que são liberados pela degradação da proteína e pode apresentar resultados falso-negativos pela presença de conservantes, portanto, seus resultados não devem ser avaliados de forma isolada e conclusiva.

 

A degradação do perfil proteico também produz as aminas biogênicas, que são compostos nitrogenados de baixo peso molecular. Existem diversos tipos de aminas biogênicas que são produzidas pelo próprio organismo e são importantes para o metabolismo, entretanto, as aminas biogênicas produzidas a partir da degradação da proteína são produzidas por ação de enzimas bacterianas. São exemplos de aminas biogências, as esperminas, putrescinas, cadaverinas, entre outras.

 

Conforme descrevemos, os subprodutos de origem animal são ingredientes amplamente disponíveis para uso na alimentação animal e são muito importantes no contexto nutricional e ambiental. Entretanto, para que possam ser utilizados com máxima eficiência pelos animais, devemos fazer um amplo monitoramento das condições físico-químicas que refletem as condições de processamento e de armazenamento destes para o uso com máxima eficiência e segurança.

 

Referências:

ABRA - Associação Brasileira de Reciclagem Animal. Anuário ABRA 2020. https://abra.ind.br/anuario2020. Acesso em 15/10/2022.
CECCHI, H. M. Fundamentos teóricos e práticos em análise de alimentos. Campinas – SP: UNICAMP, 2003. 207p.
ENGBERG, RICARDA et. al., 1996 Poultry Science 75(8):1003-1011. Inclusion of Oxidized Vegetable Oil in Broiler Diets. Its Influence on Nutrient Balance and on the Antioxidative Status of Broilers.

NAMIKI, M. Antioxidants/antimutagens in food. Critical Review in Food and Science Nutrition, v.29, n.4, p.273-300, 1990.

RACANICCI, A.M.C.; MENTEN, J.F.M.; REGITANO-DARCE, M.A.B.; GAIOTTO, J.B.; LONGO, F.L.; PEDROSO, A.A.; SORBARA, J.O.B. Oxidação lipídica do óleo de vísceras de aves para redução de seu conteúdo de energia metabolizável para frangos de corte na fase de crescimento. Revista Brasileira de Zootecnia, v.33, n.4, p.919-923, 2004.

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