Qualidade da casca do ovo: o que é preciso saber?
Lídson Ramos Nery
Nutricionista de Aves
A cada ano que passa o ovo é um ingrediente que está cada vez mais presente na dieta dos brasileiros. Após uma leve estagnação nos anos de 2022 e 2023, as projeções do mercado demonstram que os brasileiros terão um consumo per capita de 265 ovos em 2024, de acordo Associação Brasileira de Proteína Animal – ABPA, representando um aumento de 9,5% em comparação ao ano anterior (Tabela 1).
Como analisar a qualidade da casca do ovo?
Por Lídson Ramos Nery, Nutricionista de Aves
Este considerável aumento no consumo nas últimas décadas deve-se ao fato do ovo ser um alimento barato e de alta qualidade nutricional.
Tabela 1 - Consumo per capita de ovos no Brasil
Considerado um dos alimentos mais completos, o ovo possui proteínas de alto valor biológico, além de ser fonte de vitaminas, minerais e lipídeos – pode até mesmo ser considerado um alimento funcional por possuir substâncias que previnem doenças.
Para que toda esta qualidade nutricional seja preservada, é muito importante que o ovo possua uma casca de boa qualidade e serão descritos neste artigo os principais fatores que interferem neste aspecto.
Impacto econômico
Estima-se que 4 a 8% da produção de ovos seja perdida desde a postura até a comercialização. Destes, aproximadamente 50% são perdidos devido a fatores correlacionados à qualidade da casca: casca mole, casca fina, trincados e quebrados. Os outros 50% são perdidos em pontos correlacionados ao processo: limpeza, transporte, empacotamento e/ou processamento.
Muitas vezes estas perdas são subestimadas pelos produtores por falta de mensuração e avaliação dos índices de produção e dados.
Quando pensamos nas matrizes leves e pesadas, a qualidade da casca do ovo é muito importante para evitar ovos impróprios para a incubação e de baixa eclodibilidade. Considerando que uma matriz pesada pode produzir 150 pintos/fêmea alojada e uma galinha de postura mais de 250 ovos até a 60ª semana de idade, quaisquer fatores que venham a reduzir esta produção exercem um impacto econômico muito forte.
Fase de cria e recria
Durante a fase de cria e recria, é muito importante focar em uma boa formação da galinha, objetivando um desenvolvimento corporal adequado e um lote uniforme. Desta forma, para as poedeiras comerciais, é importante que os pesos com 6, 12 e 15 semanas estejam dentro do padrão esperado, para garantir o adequado desenvolvimento corporal.
Na fase da recria, é importante que a galinha atinja um peso adequado para a boa conformação do sistema digestivo, muscular e esquelético antes da maturidade sexual. Isto garantirá que, ao entrar no período de produção, a galinha tenha adequadas reservas nutricionais, especialmente a conformação apropriada do osso medular para otimizar a produção, a qualidade dos ovos e, claro, a casca dos ovos.
A longevidade das aves de postura tem crescido ano após ano à medida que a evolução genética, programas sanitários e investimentos em tecnologia de galpões permitiram a elevada produtividade das aves em idades mais avançadas. Neste cenário, o período de cria e recria ganham ainda mais ênfase e importância, como fases de preparação e a construção de uma ave saudável, sanitária e nutricionalmente, para suportar um elevado período de produção.
Desenvolvimento da casca do ovo
Para entendermos alguns fatores que interferem na qualidade da casca dos ovos, como a idade da ave e a hora da alimentação, é importante entendermos antes o processo de formação da casca e a postura do ovo.
O processo da formação da casca do ovo é o processo mais demorado e vai desde a ovulação até a oviposição. Estudos demonstram que a formação da casca e membranas demora entre 20 e 23 horas.
O processo de formação da casca do ovo começa antes da calcificação da casca no útero com a formação das membranas da casca que ocorrem no istmo. A casca do ovo possui duas membranas (uma interna e outra externa) que ficam abaixo da camada calcificada, separando a estrutura da casca do albúmen (Figura 1). Estas membranas são formadas especialmente por glicoproteínas, proteínas e fibras de colágeno.
Figura 1 - Estruturas da casca do ovo
Por cima da membrana externa são depositados cristais de carbonato de cálcio que ocorrem pela combinação de íons de cálcio (Ca++) e bicarbonato (HCO3-) conforme a reação: Ca++ + HCO3- à CaCo3 + H+.
ITO (1998) descreve que ovos provenientes de poedeiras comerciais, com boa qualidade de casca, contém aproximadamente 2,2 gramas de Ca sob a forma de carbonato de cálcio. O cálcio é o mineral em maior quantidade, fósforo e magnésio também são encontrados em frações consideráveis, além de traços de potássio, zinco, manganês e cobre.
A maior parte das posturas ocorrem no período da manhã. Em geral, a ovulação ocorre de uma a duas horas após a oviposição. Assim, considerando os tempos descritos na literatura, a deposição do albúmem ocorrerá entre o meio do dia e o final da tarde. Após a deposição das membranas, o processo de formação da casca ocorrerá no período da noite e novamente uma oviposição ocorrerá na manhã do dia seguinte após a postura.
Fatores que interferem na qualidade da casca do ovo
São diversos fatores que podem agir, individualmente ou combinados, prejudicando a casca do ovo. Neste artigo nos atentaremos aos pontos correlacionados à nutrição das aves, entretanto, diversos fatores estão intimamente correlacionados entre a nutrição e outros pontos, como o manejo e a ambiência, por exemplo.
Entre os principais fatores que influenciam a qualidade da casca do ovo, podemos citar:
I. Nutrição;
II. Idade da galinha;
III. Agentes infecciosos/doenças (Micoplasma, Síndrome da Queda de Postura, Bronquite Infecciosa e Doença de Newcastle);
IV. Deficiências nutricionais;
V. Alta salinidade na água de bebida;
VI. Hora da alimentação;
VII. Hora do dia em que o ovo é produzido;
VIII. Temperatura ambiente e a ambiência do galpão;
IX. Genética.
Cálcio
Alguns pontos correlacionados à dieta das galinhas podem interferir direta ou indiretamente na qualidade da casca dos ovos. O cálcio é o principal constituinte da matriz mineral da casca do ovo. A ave mantém o nível plasmático deste mineral em homeostase pela ação combinada dos hormônios paratormônio (PTH), calcitonina e 1,25- Dihidroxicolecalciferol-DHC (proveniente da vitamina D) nos rins, fígado, ossos e intestino, conforme descrito na Figura 2.
Os rins são os responsáveis pela regulação plasmática de cálcio, sendo a absorção do cálcio dietético no intestino e a mobilização do cálcio nos ossos as principais vias de contribuição do cálcio para a manutenção desta homeostase e o direcionamento para a casca do ovo.
Figura 2 - Bioquímica do metabolismo de cálcio e fósforo em galinhas
Em condições de baixo nível plasmático de cálcio, o paratormônio – PTH aumenta a mobilização de cálcio nos ossos e reabsorção pelos rins. Ainda é estimulada a produção 1,25- Dihidroxicolecalciferol – DHC que potencializa as absorções renais e intestinal.
No sentido contrário, a calcitonina, hormônio produzido na tireoide é o principal responsável pela diminuição dos níveis plasmáticos de cálcio promovendo a deposição de cálcio e de fósforo nos ossos, redução da absorção intestinal, aumento da excreção urinária.
Durante o dia, ocorre uma alteração hormonal muito grande na galinha, em especial para a formação da casca, nível elevado de PTH é esperado.
Sendo assim, níveis dietéticos adequados de cálcio e vitamina D são essenciais para a formação ideal da casca.
Também correlacionado ao cálcio, o tamanho da partícula da fonte primária de cálcio, o calcário, é muito importante. O fornecimento do calcário em partículas mais grosseiras – 3 a 4 mm – é favorável para a melhora da qualidade da casca. Partículas maiores ficam retidas na moela por mais tempo, aumentando o tempo de disponibilidade e absorção do cálcio, especialmente no período noturno, onde a ave, na grande maioria das vezes, não possui alimentação disponível e está em período de escuro. Desta forma, o cálcio é disponibilizado para a galinha mais lentamente, favorecendo a maior demanda de cálcio à noite, justamente o período em que a casca é produzida na maior parte dos indivíduos do lote. Recomenda-se que as proporções do calcário grosso aumentem em relação ao calcário fino nas rações de galinhas mais velhas.
Fósforo
As concentrações de fósforo na casca do ovo são relativamente baixas se comparado às concentrações de cálcio. A participação do fósforo é importante em dois processos: Balanço do equilíbrio ácido-básico plasmático (Butcher et. Al., 1990 e Bertecheni, 1998) e reconstituição do osso medular da galinha.
O fósforo está correlacionado à redução da acidose sanguínea, já que as concentrações de fósforo se elevam durante o processo da formação da casca do ovo, com consequente aumento da excreção de fosfato pelos rins. Nesta condição, o fosfato carreia íons H+ mantendo os níveis de bicarbonato e desta forma, contribui para a redução da acidose.
O osso medular da galinha é considerado uma reserva de cálcio para a calcificação da casca do ovo (Figura 3). A formação do osso medular começa duas semanas antes do início da postura (Whitehead, 2004). Níveis baixos de fósforo circulante estimulam a produção de 1,25-(OH)2D3 que estimula a reabsorção óssea de cálcio e fósforo. Este ponto é muito importante para lotes mais velhos susceptíveis de apresentarem osteoporose e fadiga de gaiola.
Figura 3 - Úmero da galinha evidenciando: A - Cavidade interna dos ossos pneumáticos e B - Cavidade interna do osso preenchida quase que totalmente pelo osso medular.
Vitamina D3
A vitamina D3 tem uma correlação direta nos processos de reabsorção do cálcio e do fósforo nos ossos e absorção intestinal (Figura 2). Pode ser produzida pelo organismo por ação da irradiação solar na pele originando o Colecalciferol (Vitamina D3) oriundo do 7-dehidrocolesterol pelo organismo ou pode ser fornecido de forma exógena na ração. Para que estas fontes endógena e exógena sejam aproveitadas pela ave o Colecalciferol é hidroxilado no fígado gerando o 25-hidroxicalciferol (25(OH)D3) que posteriormente sofre uma segunda hidroxilação nos rins resultando na forma ativa 1,25- dihidroxicalciferol (Leeson e Summer, 2001).
Alguns estudos demostram que as galinhas diminuem, com o avançar da idade, a habilidade em fazer a primeira hidroxilação do colecalciferol, que ocorre no fígado – fato que pode colaborar para a piora da qualidade da casca do ovo e queda na resistência da tíbia com o avançar da idade das aves. Neste sentido, para lotes de galinhas de idade mais avançada recomenda-se o fornecimento de metabólitos de vitamina D3 disponíveis para adição às rações.
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Falar com um especialista De HeusMicrominerais zinco, cobre e manganês
Estes minerais estão presentes na matriz orgânica e membranas da casca do ovo, atuando como co-fatores enzimáticos. Sua deficiência nutricional pode causar alterações na estrutura dos cristais de cálcio, levando à formação de ovos com casca mole, sem casca ou com baixa densidade e resistência da casca.
O zinco é co-fator da enzima anidrase carbônica, que está correlacionada à suplementação dos íons carbonato do sangue para a glândula da casca durante o processo de formação da casca. Altos níveis de sódio na ração ou na água inibem a ação da anidrase carbônica.
Já o manganês é co-fator de metaloenzimas. Em conjunto com o zinco, está envolvido com a síntese de mucopolissacarídeos, compondo a matriz orgânica da casca.
Embora seja encontrado em pequenas quantidades, o cobre é um importante constituinte das membranas internas e externas da casca do ovo. Em especial, o cobre está envolvido na atividade da enzima Lisil-oxidase, que é uma catalizadora durante o processo de estabilização e fixação do colágeno e da elastina na formação das membranas. Níveis elevados de cobre na ração podem prejudicar o consumo de ração e, consequentemente, a qualidade da casca do ovo. Griminder (1977) cita que níveis de cobre de 800mg/kg de ração já podem ocasionar depressão no consumo, no peso das aves e na qualidade da casca dos ovos.
O fornecimento destas fontes minerais na forma orgânica quelatadas à aminoácidos pode beneficiar a qualidade da casca por possuírem uma maior biodisponibilidade e serem menos susceptíveis a competição por sítios de absorção com outros minerais no lúmen intestinal (Stefanello, 2014).
Eletrólitos e estresse calórico
Os íons sódio, cloro e potássio estão diretamente envolvidos no equilíbrio ácido-básico do organismo da ave e este equilíbrio é alterado durante o processo de formação da casca.
Durante este processo o organismo está susceptível à uma redução do pH da corrente circulatória e nos fluidos uterinos em função da liberação dos íons H+ pela formação do carbonato. De forma compensatória, a ave aumenta os ciclos respiratórios, gerando uma hiperventilação que intensifica a perda do gás CO2 promovendo uma elevação do pH sanguíneo.
Entretanto, este aumento do pH sanguíneo reduz a quantidade de Ca e CO3 ionizados que seriam direcionados ao oviduto e consequentemente a casca do ovo. Neste sentido, o fornecimento de bicarbonato de sódio (NaHCO3) em substituição parcial ao sal (Cloreto de sódio – NaCl) na ração pode minimizar estes efeitos deletérios para a qualidade da casca do ovo. Esta ação também reduz os níveis de cloro, níveis elevados de cloro são prejudiciais à qualidade da casca dos ovos, em especial para lotes com galinhas mais velhas (Vicenzi, E.,1996).
O estresse pelo calor provoca três efeitos principais: a redução do consumo de ração, o aumento da frequência respiratória e, também, do consumo de água. Acompanhando o aumento do consumo de água, também é aumentada a excreção renal de bicarbonato (HCO3-) e potássio (K+). Sendo assim, o fornecimento de uma fonte de potássio, via carbonato de potássio, também possui efeitos positivos para a qualidade de ovos de galinhas velhas ou lotes expostos ao estresse térmico por dia consecutivos. Perdas elevadas de potássio podem não só prejudicar a qualidade da casca, mas também aumentar a mortalidade das aves.
Temperaturas acima de 26oC já podem ser prejudiciais para a qualidade da casca do ovo por reduzir o consumo de ração pelas galinhas e, consequentemente, reduzir a disponibilidade de nutrientes.
Utilização do conceito split feeding
O conceito split feeding para poedeiras baseia-se no fornecimento de duas rações distintas durante o dia. Sabe-se que as necessidades nutricionais das galinhas variam durante o dia em função dos processos de formação do conteúdo do ovo e da casca. Entretanto, durante o período noturno, ocorre uma maior demanda de cálcio pela galinha destinada à formação da casca.
Neste sentido, este conceito sugere o fornecimento de uma ração com mais energia e proteína durante o período matutino e outra com maior nível de cálcio e menores níveis de energia e proteína à tarde, antes do anoitecer.
Alguns fatores podem dificultar a aplicação deste conceito, como por exemplo, a necessidade de produzir duas rações diferentes e os silos distintos para o armazenamento. Porém, alguns produtores têm observado um efeito econômico positivo com esta estratégia nutricional, isso porque a ração do período da tarde tende a ser mais barata e, com a melhora na qualidade da casca pelo adequado fornecimento de Ca no período de maior demanda, menores serão as perdas com ovos trincados e quebrados.
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Referências:
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Butcher, G. D.; Miles, R. Concepts of eggshell quality. Fact Sheet VM-69, Florida Cooperative Extension Service, Institute os Food and Agricultural Sciences, University of Florida, Dec. 1990. 3p.
Chang, A., 2020 - A Importância da Nutrição na Qualidade da Casca do Ovo para as Reprodutoras de Frangos de Corte – Ross Technical Note.
Flock, D. K. Fatores genéticos e manejo que influenciam a qualidade da casca do ovo. FACTA, Conferência APINCO 1994 de Ciência e Tecnologia Avícolas. p.15-21, 1994.
Griminger, P. Effect of copper sulfate on egg production and shell thickness. Poultry Science, v.56, p.359-61, 1977
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Stefanello, C., T.C., Santos, A.E., Murakami, E.N. Martins, e T.C. Carneiro. 2014. Desempenho produtivo, qualidade da casca do ovo e ultraestrutura da casca do ovo de galinhas poedeiras alimentadas com dietas complementadas com minerais orgânicos. Avícola Sci. 93:104-113.
Vicenzi, E. Fadiga de gaiola e qualidade da casca do ovo. Aspectos nutricionais. In: VI Simpósio Técnico de Produção de Ovos – APA. São Paulo, APA, 26 a 28 de março de 1996. p.77-91.
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