Qualidade da água na avicultura

Thalys Lima

Supervisor Técnico Comercial - Aves

21 março 2023
-
5 minutos

A água é, sem dúvida, o nutriente mais importante para os seres vivos e ao mesmo tempo o mais esquecido. Pode até parecer uma brincadeira, mas apesar de toda evolução da avicultura industrial, ainda é muito comum observarmos o descuido dos avicultores com a qualidade da água fornecida aos animais.

Dentre as diversas funções biológicas da água, temos a digestão e absorção, que sustentam a função enzimática e o transporte de nutrientes; a termorregulação; a lubrificação de juntas e órgãos, além da passagem de comida pelo trato gastrointestinal e a eliminação de resíduos, que atuam como componentes essenciais do sangue e dos tecidos do corpo (AVIAGEN, 2008).

Deste modo, é de fundamental importância o uso racional da água de boa qualidade física, química e microbiológica (AMARAL, 2004), para que possamos proporcionar saúde e bem-estar aos animais. Para isso, é necessário realizar análises da água das propriedades avícolas e avaliar qual é o perfil físico-químico e biológico da água para que desta maneira, o correto manejo possa ser implementado, visando assegurar o desenvolvimento e saúde dos animais.

 

Gestão da qualidade da água

O fornecimento de água limpa e não contaminada deve ficar livremente à disposição das aves o tempo todo. Neste sentido, análises periódicas da qualidade da água são necessárias para monitorar a presença ou não de microrganismos e o teor mineral (AVIAGEN, 2008).

Abaixo temos uma tabela de referência com as principais características físico-químicas e biológicas da água e os níveis considerados aceitáveis para o consumo das aves (COBB, 2019).

 

Figura 1. Qualidade da água e as suas características fisico-químicas e biológicas (COBB, 2019).

 

Entender sobre a qualidade da água que será fornecida às aves é essencial para o desenvolvimento e sanidade dos animais. O Brasil é um país com dimensões continentais e com características muito específicas em cada região, como a variação pluviométrica ao longo do ano, tipo do solo e fonte de água utilizada - fatores que exercem influência direta nas características da água.

Em regiões como o Nordeste brasileiro, muitas granjas aproveitam as águas das chuvas encontradas em açudes e rios. Estas fontes normalmente têm uma grande quantidade de matéria orgânica, alterando parâmetros como turbidez, sendo necessária a utilização de produtos químicos coagulantes que façam a decantação destes contaminantes.

Já na região Sul no Brasil, os produtores normalmente utilizam águas de poços artesianos. Esta fonte de água normalmente contém uma alta quantidade de minerais, principalmente carbonato de cálcio e magnésio, que provocam um aumento significativo do pH da água.

Ambos os problemas citados anteriormente podem influenciar tanto na qualidade da água como no consumo e sanidade dos animais. Dentre os problemas, temos o aumento na demanda de desinfetante em decorrência da matéria orgânica, diminuição da eficácia dos desinfetantes pela variação do pH, encrustamento, formação de biofilmes, diminuição fluxo de água pelo entupimento de filtros, má digestão, diarreias, entre outros.

Avaliar o resultado da análise torna-se uma ferramenta imprescindível na gestão da qualidade da água que será fornecida aos animais. Com o resultado da análise da água em mãos, a implementação de estratégias pontuais para cada propriedade avícola é possibilitada, a fim de assegurar a qualidade da água.

 

Desinfecção da água

Uma leve variação de alguns dos parâmetros da água pode comprometer todo o processo de desinfecção. O principal desinfetante utilizado na avicultura brasileira é o cloro (hipoclorito de cálcio), sendo utilizado na forma de pastilhas de cloro, principalmente.

A grande maioria dos profissionais mensuram o cloro residual ativo ou cloro total da água. Para avaliar o cloro da água, normalmente são utilizadas as fitas teste ou soluções específicas conhecidas como "kit de piscina". O grande problema destas formas de mensuração é que em ambos os casos, os dados não são precisos e podemos estar superestimando o processo de desinfecção da água.

 

A fita teste tem a capacidade de mensurar a presença de cloro residual livre em ppm. Entretanto, não sabemos se o cloro livre está na forma de íons hipoclorito ou ácido hipocloroso, o que interfere no processo de desinfecção da água.

A fita teste também mensura o pH da água, todavia, trata-se de um teste quantitativo em que apenas a mudança da coloração da fita é avaliada, ou seja, não é preciso. Para exemplificar, se tivéssemos duas amostras de água, uma com pH de 7 e outra com pH 6, esta “pequena” variação de unidade do pH significa que a amostra com pH 6 é dez vezes mais ácida que a amostra de pH 7, uma vez que a escala do pH é logarítmica.

Segundo a Cobb (2019) em águas com pH alcalino a liberação de cloro se dá na forma de íons de hipoclorito - o qual tem um baixo poder de desinfecção. Por outro lado, quando temos o pH da água entre 5 e 6,5 teremos a liberação do ácido hipocloroso, que possui maior potencial de desinfecção, como mostra a imagem abaixo:

 

Figura 2. Relação entre o pH da água e a forma de liberação do cloro (COBB, 2019).

 

Já os famosos "kits de piscina" mensuram o cloro total, que é a soma do cloro livre mais o cloro combinado. O cloro combinado é aquele que se liga a outas moléculas contaminantes da água como a amônia, formando as cloraminas - as quais tem seu potencial de desinfecção reduzido.

Diante disso, para validar se o processo de desinfecção foi bem conduzido e se a água tem capacidade de oxidar possíveis contaminantes, devemos mensurar o potencial de oxirredução da água (ORP). O medidor de ORP mensura em milivolts a capacidade oxidativa da água.

Segundo a Cobb (2019) os valores de ORP devem ser superiores à 650 mV para que a água tenha uma ótima capacidade de oxirredução, eliminando, assim, possíveis agentes contaminantes da água, como bactérias e matéria orgânica.

É importante salientar que a água in natura normalmente possui valores de ORP inferiores a 650 mV. Altos níveis de alguns minerais como ferro, cálcio e magnésio ou a presença de matéria orgânica, provocam a diminuição do ORP da água.

A utilização de desinfetantes com boa capacidade oxidante como o cloro, dióxido de cloro e peróxido de hidrogênio elevam o valor de ORP, aumentando a capacidade oxidativa da água.

Segundo a Cobb (2019) caso tenhamos água in natura com ORP inferior a 250 mV, temos um indicativo de alta carga orgânica -  o que provavelmente excederá a capacidade do cloro de desinfetar a água adequadamente.

Abaixo temos os dados de 38 granjas visitadas na região Sul do Brasil entre agosto e dezembro de 2022. Durante as visitas foram mensurados o ORP da água nas linhas dos nipples/bebedouros após o processo de cloração da água.

 

Figura 3. Potencial de oxidorredução na linha de água após o processo de cloração (dados particulares não publicados).

 

Podemos observar que existe uma enorme variação da qualidade da água fornecida aos animais e apenas 29% das granjas visitadas obteram valores de ORP superiores a 650 mV - indicando uma deficiência no processo de desinfecção da água.

Dentro os principais problemas estão a alta quantidade de matéria orgânica na água, falta de higienização dos reservatórios e sistema hidráulico durante intervalo entre lotes, assim como a formação de biofilmes, água com pH alcalino e a não utilização do cloro da maneira e quantidade correta.

 

Considerações finais

A avicultura brasileira passou por diversas transformações positivas nos últimos anos, como a melhoria da gestão, sustentabilidade, biosseguridade, vacinas, automatização das granjas, controle da ambiência, novos aditivos, entre outros fatores. Entretanto, quando visitamos granjas, percebemos que os cuidados com a qualidade da água ainda são poucos.

A produção avícola também tem passado por diversos desafios sanitários e muitos destes problemas podem ser originados do inadequado fornecimento de água aos animais, sem o devido manejo da água.

Conclui-se que a utilização de algumas estratégias como a proteção das fontes de água; limpeza e desinfecção dos reservatórios e sistema hidráulico; realização de análises periódicas e a utilização de estratégias pontuais como a decantação da matéria orgânica; correção do pH da água; controle do processo de cloração; utilização de sistemas de desinfecção inteligente, etc., podem ser cruciais para a melhoria contínua dos índices produtivos na avicultura.

 

Referências

AMARAL, L. A. Drinking Water as a Risk Factor to Poultry Health. Brazilian Journal of Poultry Science, v. 6, n.4, p.191-199, 2004.

AVIAGEN. Qualidade da água. 2008. 6 p

COBB. Manual de manejo de frango de corte. 2019. 104 p

About the author

Thalys Lima

Supervisor Técnico Comercial - Aves